Centro Histórico de Cruzeta

Centro Histórico de Cruzeta
Fotografia do Centro Histórico de Cruzeta tirada em meado dos anos 1960

domingo, 14 de novembro de 2010

REVISITANDO O PATRIMÔNIO HISTÓRICO DE CRUZETA: um breve olhar sobre o passado

Uma breve caminhada pela área urbana de Cruzeta que denominamos de Centro Histórico da cidade seria suficiente para observarmos com “olhar de detetive” o que sobrou do nosso Patrimônio Histórico Cultural representado na cultura material dos seus edifícios e construções. Como nos orienta Horta (1999) “os Centros Históricos são importantes porque ajudam a estabelecer e compreender as relações fundamentais entre o presente, o passado, e as mudanças ocorridas nos modos de vida das pessoas que neles viveram, assim como nas próprias cidades.” (HORTA, 1999. p. 26)


Para as gerações de cidadãos cruzetenses ou visitantes que não conheceram ou não viveram na Cruzeta dos anos 1950 e 1960 ou pelo menos de até meados de 1970, a imagem da “cidade pitoresca” com sua paisagem urbana harmonicamente expressa em seu estilo arquitetônico do ecletismo que podiam ser vislumbrados nos arabescos e frisos com motivos florais e detalhes geométricos que dão ao edifício um aspecto galante e prosaico – apenas umas poucas unidades de edifícios com estas características foram poupados para contar esta história – ladeando seus rústicos e estreitos bulevares (houve um curto período em que as ruas do centro da cidade foram arborizadas) parece não ter existido. Esta impressão constatável é fruto de um processo de destruição da própria memória e do patrimônio cultural material do município de Cruzeta que já vem durando mais de 40 anos e tem início de forma mais acentuada no final dos anos 1970 para os anos 1980, mas que já vinha se configurando em anos anteriores.



Para constatarmos isto basta percebemos os efeitos da “reforma” executada na estrutura física do Mercado Público Municipal em meados dos anos 1950 que resultou na total destruição do seu estilo arquitetônico eclético. A “reforma”/destruição do Mercado Público Municipal cedeu lugar a um estilo arquitetônico mais sóbrio e funcional que provavelmente marca o período de comutação do estilo arquitetônico de futuras construções públicas e civis nos anos seguintes.



Os documentos fotográficos e os próprios depoimentos locais de moradores que viveram nestes tempos “pitorescos” demonstram e expressam uma cidade em processo de relativa urbanização, mas com características que a definem em muitos aspectos como uma cidade rural.
A Festa da Colheita instituída em 1961 pela Juventude Agrária Católica (JAC) do local com o objetivo de “alcançar a integração social entre o camponês e o citadino e agradecer a Deus as premícias da terra”, revela o modus vivendi da população do local, formada predominantemente por trabalhares rurais imersos em seu cotidiano rural. O caráter sócio-religioso da celebração reforça a importância social do homem do campo como força de produção econômica na região associado ao universo do catolicismo popular.

O cultivo agrário era uma atividade necessária que garantia a sustentação e a manutenção da mesa do sertanejo local que ainda dependia do seu modo de produção tradicional para a sobrevivência e continuidade do grupo. O “ofertório vivo” celebrado na Festa da Colheita com as amostras dos principais produtos cultivados nas fazendas da localidade expressa a importância das relações no mundo rural para a dinâmica urbana.
Quando a cidade inicia seu processo de urbanização mais acentuada a partir dos anos 1970 com a verificação de um êxodo rural mais crescente, é o campo que ainda fornece a maior parte do alimento que serve de sustento das mesas das famílias cruzetenses.
O estudo dos remanescentes do passado motiva-nos a compreender e avaliar o modo de vida e os problemas enfrentados pelos que nos antecederam, as soluções que encontramos hoje, para os mesmos problemas (moradia, saneamento, abastecimento de água, iluminação, saúde, alimentação, transporte e tantos outros aspectos), e mais, estes nos possibilita conhecer como a nossa comunidade se apropriou de seus bens ao longo das gerações e os utilizou em seu benefício próprio.

A história da destruição de nosso Patrimônio Histórico-cultural está fortemente ligada à idéia de progresso e “modernização” da cidade que ganha apelo nos círculos da elite política regional nos anos 1950 e culminando nos anos 1970 e 1980 prosseguindo aos dias atuais. Esta idéia corrobora o pensamento bastante presente no ambiente político deste período que defendia que o pleno desenvolvimento social e econômico da civilização só se faria com a renúncia do passado de atraso, com a negação da história. Esta ideologia trouxe um concentrado desinteresse pela preservação e salvaguarda da memória histórico-cultural por parte das elites políticas locais (em casos particulares colocaram sob proteção pública apenas aqueles bens associados à personalidades eminentes da política local) e como conseqüência disto a relegação do Patrimônio Histórico-cultural de interesse coletivo como de interesses secundários e inferiores, colocando-o ao desgaste físico do tempo e às ações degradantes de membros da própria comunidade.
Ainda nos dias de hoje, quando as discussões a cerca do Patrimônio Cultural tem buscado consolidar a idéia de que não é possível construir um planejamento de futuro sem tomar como referência a herança cultural do local, o município de Cruzeta ainda se mantêm apático a toda manifestação de seu patrimônio cultural, não munindo-se de qualquer ação de política pública que vise a preservação ou valorização de seus bens culturais. A conseqüência disto tudo revela-se na concepção bastante difundida na cidade de que “Cruzeta é a cidade do já teve” ou “uma cidade sem história”, como já estou cansado de ouvir da boca de muitos de seus cidadãos e mais ainda nas ações indiscriminadas de destruição e degradação do próprio patrimônio histórico da cidade que é um espelho da ignorância cultural de sua  própria elite política e de sua população que pouca coisa tem feito para reverter este quadro.


Referência bibliográfica citada:
HORTA, Maria de Lourdes Parreira. Guia básico de educação patrimonial. Brasília: IPHAN, Museu Imperial, 1999.
 

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

NOSSA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL

O projeto Patrimônio, memória e Educação: descobrindo nossos tesouros de identidade partiu da necessidade de se desenvolver no município de Cruzeta uma ação sistemática e consistente que conduzisse o interesse de estudantes locais ao reconhecimento, valorização e preservação de seu patrimônio cultural visto à sua extrema situação de desamparo e desinteresse por parte do poder público local ao longo de sucessivas décadas, o que resultou numa conseqüência depauperável para o nosso Patrimônio Cultural que se encontra numa situação bastante preocupante. A isto também soma-se a necessidade de dá-se início na cidade de Cruzeta a uma metodologia  mais  adequada e eficaz de se trabalhar a questão do patrimônio cultural no âmbito do método educativo, o que, de fato, não ocorria, sendo, por tanto, neste sentido, uma ação pioneira no município.

Objetivando imprimir esta sensibilidade no ceio da comunidade local a partir do apoio e da participação ativa de estudantes da rede pública de ensino do município de Cruzeta, o projeto foi executado através da realização de oficinas de Educação Patrimonial ocorridas no período de 13 a 18 de Setembro de 2010 na Casa de Cultura Popular de Cruzeta durante o turno matutino com atividades teóricas e práticas (palestras, discussões, mesa-redonda, pesquisa de campo, apresentações de trabalhos) e execução de dinâmicas, técnicas interativas e apresentações artísticas, como a participação do mamulengueiro Mestre Marcelino e do forrozeiro Zé Cabral na abertura do projeto.


A execução das oficinas foram devidamente planejadas levando em consideração a semana de atividades definida para a realização de todas as suas etapas e trabalhos.
Inicialmente foi circunscrita uma área geográfica que passamos previamente a denominá-la de Centro ou Sítio Histórico de Cruzeta conforme a aplicação da Metodologia da Educação Patrimonial proposta por Maria de Lurdes Parreira Horta (1999).
Para a circunscrição e posterior estudo desta área foi realizado com alguns dias de antecedência de sua exploração, uma breve caminhada de observação pelo centro da cidade para constatação e mapeamento das principais evidências do Patrimônio Histórico-cultural possível de ser identificado na extensão e para a elaboração de um “roteiro elementar” de observação e visitação ao Centro Histórico da cidade, como assim nos orienta o “Guia básico de Educação Patrimonial” (Horta, 1999)
O campo que definimos de Sítio Histórico foi privilegiado porque se constatou tratar-se do núcleo inicial de povoamento do município de Cruzeta/RN e, portanto, o local onde se identifica o Patrimônio Cultural de maior importância do ponto de vista histórico para a comunidade local, principalmente aquele relacionado às evidências materiais históricas, como o caso da Igreja Matriz, do Açude e do Mercado Público Municipal de Cruzeta, marcos históricos importantes na fundação da cidade.

Para realização do “plano de pesquisa e exploração” do Sítio Histórico identificado, foi elaborada uma “sistemática de grupos de pesquisa, objetos e espaços” com a finalidade de “organizar e racionalizar” as práticas e mecanismos de pesquisa e facilitar o desempenho dos pesquisadores, ao mesmo tempo em que se buscavam explorar o máximo possível da área mapeada e registrar o maior número de bens possíveis identificados no campo.
Desse modo, dividimos o número máximo de 40 pesquisadores em dois grupos de 20 identificados como A e B e dividimos o Sítio Histórico em duas zonas de estudo e exploração denominadas de Zona A e Zona B. Em seguida foram distribuídos as funções e os objetos de pesquisa entre os grupos. Assim ficou definido que o Grupo A pesquisaria e identificaria o Patrimônio Cultural Imaterial encontrado na Zona A e B do Sítio Histórico, enquanto que o Grupo B faria a exploração da mesma área, mas com o zelo voltado para seus elementos materiais, simbólicos, edificados e estruturais.
Com o objetivo de alcançar este intuito, as oficinas de Educação Patrimonial foram divididas em quatro principais etapas. Para execução das três últimas fases que compreende a própria aplicação da Metodologia da Educação Patrimonial foi elaborado e distribuído entre os grupos de pesquisadores como “suporte de orientação” para estudo e pesquisa um material de apoio para realização de coleta de dados e fins de registro do Patrimônio Cultural identificado.
O material confeccionado foi construído para orientar e auxiliar os pesquisadores em sua visita de observação e exploração do Sítio Histórico pesquisado, como também para dar suporte a seus trabalhos de estudo do patrimônio material (prédios, construções e monumentos) localizados na área abrangida pela pesquisa e do patrimônio imaterial identificado nesta (celebrações, formas de expressões, ofícios e modos de fazer e lugares).
Desse modo, a primeira etapa que chamamos de “embasamento teórico” consistiu na realização de palestras, discussões e dinâmicas com a finalidade de propor aos participantes um “instrumental teórico” indispensável à execução da prática e método de pesquisa e à compreensão dos principais conceitos e mecanismos que envolvem a política de acautelamento do patrimônio Cultural de natureza material e imaterial no Brasil, principalmente aquela adotada pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan).


A etapa seguinte foi realizada com a aplicação e desenvolvimento das duas primeiras fases da metodologia da Educação Patrimonial que consistem na prática da observação direta (exercício de percepção visual, sensorial, através do “olhar de detetive”) e no registro do bem cultural (anotações, descrições, elaboração de esboços, desenhos, mapas, fotografias e etc.). Assim os alunos/pesquisadores foram levados a empreender uma caminhada pelo Centro histórico da cidade enquanto “guias” lhes forneciam informações e os orientavam na realização do registro e observação dos bens culturais identificados. Durante a caminhada alguns moradores locais eram acionados para ajudar aos alunos na obtenção de informações para sua coleta de dados interagindo com estes em todo o processo de atividade e estimulando-os na realização dum procedimento ativo de construção do conhecimento.


 O terceiro momento foi realizado com a aplicação da etapa de exploração da Metodologia de Educação Patrimonial que consiste na prática do “desenvolvimento das capacidades de análise e julgamento crítico, interpretação das evidências e significados” do bem cultural identificado. Nesta etapa, os alunos/pesquisadores foram levados a analisar problemas e levantar hipóteses sobre o bem cultural pesquisado, propor questionamentos e avaliações e ampliar suas informações sobre este a partir de outros meios e fontes como bibliotecas, arquivos, jornais, revistas, fotografias antigas e etc., se constituindo na etapa de maior produção por parte das equipes pesquisadoras.
A quarta fase das Oficinas de Educação patrimonial foi executada com a aplicação da última etapa da Metodologia da Educação Patrimonial que consiste na prática da apropriação do bem cultural explorado na fase anterior. Esta fase buscou estimular no aluno o envolvimento afetivo com o bem cultural e seu processo de internalização neste através da recriação e releitura criativa do bem e da exploração das capacidades de auto-expressão destes. Assim cada grupo de pesquisadores propuseram uma forma de apresentar e se apropriar do bem pesquisado, como por exemplo a exposição de slides e fotografias mostrando a importância do bem cultural para a cidade, a criação de poesias e execuções de músicas que retraram e identificam o bem na comunidade.

Um outro momento muito importante foi integrado às ações das oficinas de educação patrimonial. Este foi vivenciado pela realização de um city tour no dia seguinte do término das oficinas que percorreu as cidades de Currais Novos e Acari, importantes centros turísticos da região do Seridó Potiguar. A viajem foi executada com a visita a alguns lugares turísticos e estudo de importantes bens culturais da região localizados nestes municípios.
Durante o trajeto foram visitados o Parque Multitemático da Mina Brejuí e o museu que o integra, maior mineradora de shelita da América Latina e fonte de grande riqueza e desenvolvimento da região nos anos 40 e 50, localizados no município de Currais Novos. Em seguida seguirmos viajem para a cidade do Acari, onde foram visitadas a Igreja do Rosário (uma das mais importantes obras-primas do Barroco Potiguar e bem tombado pelo IPHAN), o Museu do Sertanejo instalado na antiga Casa de Câmara e Cadeia (também tombado pelo IPHAN) e o Açude de Gargalheira, considerado terceira maravilha do Rio Grande do Norte.
A viajem contou com a participação massiva dos alunos participantes das oficinas de Educação Patrimonial que tiveram a oportunidade de conhecer importantes lugares da memória e da história de sua região contribuindo para o fortalecimento dos laços de identidade e do sentimento de pertencimento ao lugar onde vive.



A execução da proposta resultou na obtenção de significativos produtos, além do constatável envolvimento afetivo dos alunos participantes provocado por uma consciência de valorização e reconhecimento de seus bens culturais. Os registros realizados a cerca do patrimônio cultural identificado na área pesquisada possibilita uma leitura prévia a cerca da situação de conservação e existência destes bens culturais (diagnóstico parcial) do patrimônio cultural municipal e contribui para o enriquecimento do banco de dados a cerca da diversidade cultural deste patrimônio e dos diversos produtores culturais que participa desta produção. Assim, durante as pesquisas realizadas foram identificadas e diagnosticas a importância de 40 edifícios e construções antigas e modernas tanto de uso público e privado com fins comerciais, residenciais e mistos, entre outros. A maioria destas construídas entre o período da década de 1920 e 1960, época de maior expansão e desenvolvimento do Centro Histórico.
Em relação ao Patrimônio Cultural Imaterial foram identificados mais de 15 manifestações diferentes na categoria de ofícios e modos de fazer, entre estas estão a importância dos trabalhos das bordadeiras da Associação dos Produtores Artesanais de Cruzeta (ASPOARC), o ofício das rezadeiras locais, o modo da fabricação de canoas dos artesãos locais como também o modo de confecção da tarrafa e da rede de pescar dos pescadores do local e ainda o modo de preparo da buchada de boi e da culinária típica da região (bolo preto, pamonha, canjica, sequilhos e etc.) Ainda foram identificadas algumas formas de expressões importantes como a Filarmônica XXIV de Outubro, o teatro de Bonecos de Mestre Marcelino, o artesanato de couro de Seu Jairo, a cerâmica de barro de Dona Helena, as bonecas de pano de Dona Bina e a renda de bilro de Dona Hozana. Algumas importantes celebrações também foram pesquisadas como a Festa de Nossa Senhora dos Remédios, padroeira da cidade, a Festa da Colheita realizada no mês de Junho e o Carnaval de Rua, entre outras.
Por último, também foram mapeados e identificados importantes lugares para a comunidade local tanto por significarem espaços de sociabilidades como por estarem associados à memória e a história da localidade, como são os casos do Açude Público Municipal, da Praça de Eventos, do Mercado Público Municipal, da Igreja Matriz, da Escola Otávio Lamartine e do Cruzeiro das Almas.








Contudo a execução deste projeto serviu como um modelo a ser aplicado e seguido por outras propostas que venham a contemplar iniciativas afins no município de Cruzeta e até mesmo em outras localidades. Como os próprios alunos se expressaram nas avaliações das oficinas, estas se constituíram numa forma bastante “apropriada e prazerosa” de proporcioná-los um contato mais produtivo e consciente com a sua história e patrimônio Cultural revelando para estes a sua importante participação como agentes capazes de mudar a sua história em defesa dos bens culturais que os identificam, os moldam e os expressam resguardando-os para que as futuras gerações conheçam e valorizem seus tesouros de identidade.