Centro Histórico de Cruzeta

Centro Histórico de Cruzeta
Fotografia do Centro Histórico de Cruzeta tirada em meado dos anos 1960

quinta-feira, 17 de março de 2011

FESTA DA COLHEITA DO MUNICÍPIO DE CRUZETA/RN: uma celebração campesina na cidade


               A Festa da Colheita realizada na cidade de Cruzeta/RN, que tem sua origem em 1960 com a celebração da Missa do Agricultor, momento experiencial para sua primeira realização em 1961, constitui um evento marcado pela integração entre os espaços urbano e rural. O surgimento dessa celebração está relacionado ao período das grandes colheitas que eram realizadas nas extensas fazendas localizadas nos territórios deste município onde a agricultura era a marca fundamental da vida econômica desta localidade. Até a década de 70 o município de Cruzeta possuía uma economia predominantemente rural, com o desenvolvimento da pecuária , da agricultura e da piscicultura. Em sinal de agradecimento a Deus pelas primícias da terra e as chuvas caídas anualmente, organizou-se uma festa sócio-religiosa que tem seu início na zona rural, com a celebração de missas e animados leilões. A véspera da festa conta com uma Assembléia Cultural, que no sábado, realizava diversas apresentações artísticas, mostrando a cultura do homem campesino. Esta celebração tinha o objetivo de integrar o homem rural com o homem citadino e valorizar a figura do produtor rural pela labuta diária no trato da terra e pelo sustento da mesa sertaneja. É nesse sentido que podemos compreender a festa como um festejo que reúne celebração, diversão, espetáculo, exaltação e economia. Para Rosa (2002. p.14) a festa está contida de muitos significados. A festa como espetáculo está pautada num momento de celebração de alegria e felicidade, mas pode assumir outras características, como a de exaltação coletiva ou violência, de comportamentos mais rústicos ou de manifestações do corpo grotesco.

            A concepção de Canclini (1983) descreve bem o exemplo da festividade no município de Cruzeta, pois ele caracteriza as festas camponesas como acontecimentos coletivos enraizados na vida produtiva, celebrações fixadas de acordo com o ritmo do ciclo agrícola ou do calendário religioso (p. 15). A partir do exposto acima, identificamos muitos elementos que compõem a Festa da Colheita em Cruzeta. Seriam eles os produtos agrícolas cultivados, as celebrações de oferendas e agradecimentos, combinadas com o período correspondente a época das colheitas. A festa seria, nesse sentido, um espetáculo de celebração, alegria e felicidade, em favor dos produtos colhidos nas plantações da região.

No entanto, atualmente percebe-se muitas transformações no caráter particular desta celebração, uma delas é a perda do sentido existente nos primeiros anos de sua realização. O sentimento de coletividade, antes existente já não se encontra mais predominante, e dá lugar ao interesse individual e lucrativo, identificado nos agricultores que participam do desfile festivo em troca do recebimento de brindes, camisetas e quites distribuídos no período da festa, além dos instrumentos de trabalho fornecido pela prefeitura da cidade para a apresentação no desfile.
Quanto à realização da festa, durante os anos que se seguiram desde 1961, houve uma variação perceptível. No início das comemorações das grandes colheitas o tempo estabelecido era natural, pois não havia demarcação de momento, ou seja, variava de acordo com a realização das colheitas. Hoje, a festa se enquadra no tempo social, que de acordo com Bosi (1995), está pautada nas decisões próprias da comunidade ou dos responsáveis pelo evento e não mais de acordo com as definições dos fenômenos naturais. A festa é associada a motivações, valores e interesses diversos, que se relaciona aos acontecimentos comemorativos. A motivação individual ou coletiva, singular ou plural, está associada a valores direcionados à agricultura, a celebração das colheitas (p. 18). A Festa da Colheita foi criada para proporcionar a aproximação do homem rural com o homem citadino, dado ao estado de quase isolamento que havia entre essas duas partes. Além de possuir uma ligação com os ciclos da natureza, a festa está interligada com o trabalho agropecuário e ao cotidiano das pessoas, trazendo um repertório de situações familiares à lide agrária . 
No momento em que a festa se manifesta como tempo e espaço de vivência do lazer, esta se revela, dentre outros aspectos essenciais, a interdependência entre lazer e trabalho. Na festa da colheita encontramos esse aspecto. Ao tratar dos espaços de sua realização, chamamos atenção para o espaço em que ela se caracteriza. Os cenários são apropriados pelos grupos humanos de acordo com suas concepções, com seu modo de vida. Os novos personagens preenchem, de nova forma, o antigo espaço, transformando características comuns da vida do lugar. Essa nova população relaciona-se com a população local, ressignificando o espaço e o tempo da cidade e da festa, em que a rua é o grande palco onde se realizam as ações e transformações desses agentes sociais.
O processo de diversificação das atividades rurais, com a inserção das novas tecnologias nos espaços campesinos tem diminuído a dicotomia entre rural e urbano. Mesmo assim a festa da Colheita ainda representa um indicador do modo de vida rural mesmo no ambiente urbano, ainda que seu sentido primeiro tenha se transformado e se revestido de outros significados. Com tudo, não podemos deixar de mencionar os mecanismos utilizados pela Prefeitura Municipal de Cruzeta, principal responsável pela organização da festa, para não deixar que esta tradição seja extinta no município. A entrega de quites, camisetas e instrumentos de trabalho agrícola; sorteios de novilhos, almoço e shows musicais, se constituem em alguns desses exemplos. 
A festa acontece em um universo político, sociocultural, econômico e simbólico. Ela concebe, sustenta e se atenta a todos esses elementos. Ela é a memória, é a tradição.
Referências bibliográficas:
CANCLINI, N. G. (1983). As culturas populares no capitalismo. Trad. De C.N.P. Coelho. São Paulo: Brasiliense.
GOES, Terezinha de Jesus M. Noções de geografia e história do Município de Cruzeta. Recife, PE: CEPE, 1971.
ROSA, Maria Cristina. Festa, lazer e cultura. Campinas, SP: Papirus, 2002.

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